quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Redescobrindo ingredientes brasileiros: Picolés de coco e cupuaçu e o Cupulate

O novo livro de Atala me prendeu pelas papilas e pela aparante, talvez real, simplicidade. O chef menciona que sua cozinha se despiu das técnicas e que as utiliza a fim de alcançar o ponto de sabor necessário, desvencilhando-se de etapas frívolas. Não sei como eram suas receitas anteriormente, mas estas me parecem simples, não as tomem por fáceis, de serem reproduzidas mesmo em ambiente e com equipamentos domésticos.

Um dos fatos que me saltou aos olhos é que o D.O.M. foi aberto em 1999 primeiramente para gerar bufunfa e não nasceu como um restaurante gastronômico (por mais absurda que essa denominação soe), essa sua característica brasileiríssima veio evoluindo ao longo dos anos. Agora percebo que o primeiro fato não deveria ter me espantado, pois esse é o objetivo primordial de qualquer comércio de alimentos. Além disso, descobri que o restaurante possui um menu degustação vegetariano para atender à demanda paulistana. Pensando bem, nada faz mais sentido em um país no qual parece haver mais frutas e hortaliças que qualquer outro alimento.

As fotos e imagens do nosso país são ricas e bem emolduradas, pergunto-me se ele realmente tirou algumas dessas fotos em suas inúmeras incursões como os Bandeirantes ou se todas são produto da treinada equipe por trás do homem. O livro é dividido por grupos de ingredientes como "Laticínios e carnes", "Peixes e frutos do mar", "Vegetais", etc. Em cada capítulo, são apresentados ingredientes brasileiros aos quais seguem as receitas que contém os tais ingredientes. Atala prega a relação entre o urbano e o rural, a valorização do pequeno produtor, o conhecimento de onde vem o nosso alimento, prega o frescor e a sustentabilidade, e todas as histórias que estamos acostumados a ouvir de cozinheiros ao redor do planeta.

As receitas, em geral, são simples, mas não para os não iniciados em gastronomia. Nota-se claramente a base de culinária europeia de Atala. Alguns ingredientes nunca serão encontrados no seu supermercado mais próximo, desista. Esse não é um livro para seguir as receitas tanto quanto é um livro para se deixar inspirar pelas receitas.

Não, não vou gastar um quilo de sal grosso para cozinhar 200 g de mandioquinha e não vou ficar enfiando lecitina de soja para fazer uma espuma de amendoim. Não, não vou comprar uma Thermomix, nem um desidratador. Mas a sua combinação de peixe com amendoim e mandioquinha muito me atraiu. Também quero sair catando umas saúvas para comer, depois que você me informou de que as ditas formiguinhas têm sabor de gengibre e capim-limão. Quero comer mangarito, priprioca, jambu, tucupi, pequi, bacuri, castanha do baru, jambo rosa e, ah, a baunilha brasileira... como te desejo. Devo confessar que a coxinha negra também atiçou essa lombriga irrequieta que dorme cá na minha barriga.

Concordo que os ingredientes brasileiros estão começando a mostrar seu apelo para os próprios brasileiros, que querem exaltar o que há de bom e saboroso em nossa terra, mas ainda é um grupo muito restrito. Às vezes, temo que nossa culinária com ingredientes um pouco bizarros jamais cairá no gosto da gastronomia mundial como a culinária japonesa, tailandesa, chilena, etc. 

O que vos trago não é receita, apenas algo que preparei nessa minha onda brasileira.

Picolés de coco e cupuaçu 

Rende 6 mini picolés 

Doce de cupuaçu:
200 g de polpa de cupuaçu
2 colheres de chá de açúcar refinado 
Picolé de coco:
4 colheres de chá de açúcar refinado
50 mL de água
75 mL de nata de coco (igual a creme de coco)
150 mL de leite de coco
15 mL de óleo de coco extravirgem 
Apure em fogo baixo o cupuaçu com o açúcar por 5 minutos, ou por mais tempo de acordo com seu gosto. Disponha o doce de cupuaçu na ponta dos moldes de picolé. Misture o açúcar e água em fogo médio e deixe ferver. Quando alcançar um ponto de calda rala, adicione a nata de coco e o leite de coco. Em seguida, acrescente o óleo de coco líquido e misture bem até homogeneizar (gotículas de óleo não devem ficar visíveis). Derrame nos moldes de picolé até preenchê-los, coloque os palitos e leve ao congelador por pelo menos 6 horas. Tadã, estão prontos. E são deliciosos.
Sugestão de finalização:
Triture um pouco de castanha-do-Pará e toste numa frigideira, reserve. Derreta um pouco de cupulate  80% Amma* e reserve. Desenforme os picolés, mergulhe no cupulate derretido e passe na castanha imediatamente. E, o mais importante, coma imediatamente.





O cupuaçu (Theobroma grandiflorum) é do mesmo gênero que o cacau (Theobroma cacao). As amêndoas do cupuaçu, quando passam pelo mesmo processo que o cacau, resultam no cupulate, um "chocolate de cupuaçu". O cupulate já era tradicional no Norte do país, mas agora pode ser encontrado sob forma industrializada nas grandes cidades e futuramente nas pequenas cidades também graças a Diego Badaró do Amma Chocolate. Esse cupulate é uma das minhas novas paixões, com um rico aroma frutado e floral completamente diferente de qualquer coisa, traz notas de cacau, não é tão amargo ou ácido, sentem-se pequenos grânulos, e o cupulate tem uma textura mais macia, derretendo com mais facilidade.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Resoluções e uma ode à gordice natalina

Neste primeiro post do ano, trago para vocês, meus queridos, uma citação muito interessante de Jane Eyre. Acabei o livro há uns dois meses, mas havia me esquecido de compartilhar esse excerto que me é curioso, ao menos do ponto de vista gastronômico e também espiritual.

"Well had Solomon said, 'Better is a dinner of herbs where love is,  than a stalled ox and hatred therewith'" (EYRE, 1994, p. 76)

Carregando essa frase nos ombros, espero mudar minha relação com a comida no próximo ano. Eu e a comida sempre tivemos momentos de discórdia e de amor, uma relação conturbada e ambígua. Houve épocas em que me restringia muitos sabores e delícias - quando me sentia fisicamente ótima, com energia e bem disposta. Contudo, também houve épocas em que me esbanjava no prazer de comer, pouco me importando com saúde e bem estar.

No último ano, essa relação foi agravada com a descoberta da minha intolerância à lactose, com uma suposta alergia à soja (que foi negada pelos exames de sangue), uma definitiva alergia ao psyllium (não lhes contei sobre isso, desculpem), perambulações pelo vegetarianismo, retorno às carnes, empanturrações em aulas de gastronomia, descoberta de novos paladares, e momentos de mergulho no mundo lácteo (e um grande "foda-se" ao meu intestino) e conseguinte arrependimento. Ah, olvidei-me do colesterol nas alturas e do ganho de peso para completar o pacote, o laço do presente.

A conclusão que chega tardia é de que preciso me alimentar com mais consciência, sabendo o que devo limitar ou até excluir da minha dieta. Essas resoluções soam tão cristalinas quando lidas numa página da rede, tão fáceis de serem alcançadas e retidas, mas não tenho dúvidas de que tomarão boa quota de dedicação e empenho e força de vontade.

No início do ano, enchemo-nos de resoluções idealizadas, das quais sabemos que algumas são impossíveis de se alcançar. Seres esperançosos que somos, não desistimos de criar novas resoluções a cada ano passa, abandonadas sem remorsos por volta de dois meses depois. Parece estupidez, mas juro que essa não será só mais uma, essa será um novo modo de viver. Veremos no que dá esse grande falatório quando chegarmos a dezembro de 2014...

Por fim, uma despedida à gordice das festas natalinas:

Maamoul de tâmaras (com massa de semolina)
Semifreddo de pistache e framboesas com água de rosas e de flor de laranjeira com casquinha de chocolate
(Sintam a tensão)
Bûche de Noël: massa de cacau, recheio de castanhas portuguesas, cobertura de ganache, cogumelos de suspiro e terra de castanhas